Ser Completo
Dizem-nos osmestres que a grande sabedoria e a paz de espírito se alcançam quandoconseguimos viver equilibrados nos opostos. Dizem-nos os mestres que a grande sabedoria e a paz de espírito se alcançam quando conseguimos viver equilibrados nos opostos, ou seja, quando nos atrevemos a vivenciar confortavelmente as duas faces da mesma moeda. Trata-se de um processo longo e difícil, porque é doloroso, porque pode durar a vida toda, e porque a maior parte de nós está muito bem adaptado à sociedade.
Pela educação que recebemos sabemos o que é aceite, e o que é rejeitado na sociedade ou comunidade em que vivemos, habituamo-nos a cultivar uma imagem que procura mostrar apenas o que é razoável, e treinamo-nos a esconder, também de nós próprios, aquilo que não é aceitável ou valorizado pelos outros.
Só que, uma boa parte de nós se perde neste processo e fica algures “escondido” dentro do nosso mundo interno, esquecido ou não lembrado, principalmente por nós próprios. Ora, se os sábios têm razão, e eu acredito que sim, esta consequência de uma boa adaptação a uma sociedade excessivamente racionalista, que vive mal com alguns afectos, dificulta-nos o caminho para uma integração completa do nosso ser, sem a qual temos dificuldade em viver plenamente.
Não advogo de modo nenhum a anarquia e a ausência de regras e códigos de conduta, pois não creio que sem eles, a humanidade já esteja preparada para viver responsável e respeitosamente os direitos e deveres de cada um.
Gostaria sim, que conseguissemos criar processos de educação mais saudáveis em que a plenitude e a criatividade do ser humano não fosse tão maltratada, e em que pudéssemos aprender a lidar com a totalidade das nossas características, sem termos que esconder as que não são bem aceites num “armário” interior, que ao fim dos anos, de tão cheio abre as portas, deixando entrever a confusão que se instalou dentro de nós.
Mas ainda bem que o “armário” não aguenta tudo, pois é assim que a maior parte das pessoas decide por mãos-à-obra e “arrumar as gavetas”, revendo o que deixámos escondido e seleccionando agora, com outra idade e outra consciência, o que fica e como fica dentro de nós.
Dentro das características rejeitadas pela sociedade estão algumas que não são favoráveis ao convívio adequado entre seres humanos e à preservação da humanidade - o ódio, a raiva, a inveja, o desejo de vingança e de destruição, a preguiça, a fraqueza, e tantas outras que não são muito bonitas, mas que fazem parte da natureza humana.
Mais do que banir da nossa vida essas características - o que apenas se faz superficialmente, porque elas continuam a existir na vida interior, mesmo que disso não tenhamos consciência - importa aprender a viver com elas, sem permitir que atingam as outras pessoas. Os sentimentos existem para lá da nossa vontade consciente e disso não temos culpa, mas o que fazemos com eles já é da nossa inteira responsabilidade.
É claro que não é saudável andar imerso em sentimentos ditos negativos, mas fugir deles apenas nos dificulta a tarefa de aprender com eles e de os conseguir amadurecer, para darem lugar a outros mais evoluídos e que nos fazem mais felizes. Aprender a viver os sentimentos é permitir tê-los, e encontrar modos de os exprimir que não afectem destrutivamente o outro ou a nós próprios.
Outras partes nossas que frequentemente são guardadas a sete chaves, porque também não são persona grata nos dias de hoje, são tão bonitas que por isso mesmo, fomos aconselhados a guardá-las bem lá no fundo, tendo por vezes já esquecido que fazem parte do nosso património. É a generosidade, a ingenuidade, a compaixão, a força interior, a vontade, o desejo e até a capacidade de amar. Demasiadas vezes percebo que as pessoas (quase) tem vergonha de amar alguém, como se isso fosse prova de uma fraqueza de alma, quando é exactamente o seu oposto.
Há um imenso trabalho a fazer na área da educação e da formação do ser, para que possamos viver mais tranquilos connosco e com os outros. Felizmente chegam-me cada vez mais ecos das acções positivas e construtivas de cada vez mais pessoas. E isso é fundamental porque se nada for feito, tendemos a reproduzir do mesmo modo o que nos ensinaram...
Sejam as qualidades que habitualmente chamamos negativas, sejam as que costumamos achar positivas, uma boa parte de nós está escondida durante alguns, às vezes muitos anos. Por vezes a vida ajuda-nos a recuperar estes pedaços com amor e alegria, mas na maioria das vezes este processo não é tão doce; é com a dor e o sofrimento que a maior parte dos seres humanos sente o apelo de se reencontrar.
Com todo o amor, desejo uma boa jornada a quem já a iniciou. A quem está a respirar fundo para a empreender, desejo coragem e boas companhias, porque há caminhos que não precisamos de trilhar sózinhos. Aos que já a completaram, vida longa para nos poderem ensinar e apoiar.
Ana Ribeiro Moreira
Psicóloga Clínica/Psicoterapeuta
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